A poesia e a graça de Ophélia
Fazia muito tempo que não me envolvia tanto com um espetáculo recifense como ocorreu em
Ophélia, da Cia. de teatro e dança pós-contemporânea d’Improvizzo Gang, apresentado na
V Mostra Capiba de Teatro
nesta quarta-feira. Paulo Michelotto, que assina a dramaturgia, o
design de cena, corpo, voz, maquiagem e a trilha musical, é, por acaso,
meu colega de departamento no curso de Licenciatura em Teatro, da UFPE.
Meu colega, meu próximo. Como não tinha antes parado para olhar com
mais atenção seu trabalho artístico, Michelotto? Perdoe-me o delay.
Ophélia é um espetáculo que firma suas raízes na nossa
contemporaneidade. A começar pela dramaturgia. O tão montado, citado e
copiado
Hamlet, do canônico William Shakespeare, serviu de inspiração ao dramaturgo, particularmente a personagem Ofélia.
A narrativa, em
off, cita um trecho da fala da
Rainha, quando relata a morte por afogamento da personagem Ofélia. O
espectador adentra ainda mais na atmosfera poética da cena. É no final
dessa narrativa que vai surgindo Ofélia, lânguida, vaporosa e belamente
interpretada por Pollyanna Monteiro, a qual atravessa o espaço do
público cantando uma canção num fio de voz, quase sofejante. O espaço
do teatro Capiba se encontra tomado por uma fumaça perfumada. Sem bem o
perceber, o espectador já está imerso na própria cena.
O texto de Michelotto tem três páginas e os 60 minutos do
espetáculo são compostos de muita improvisação a partir da matriz.
Pollyanna Monteiro irradia beleza e jovialidade na sua personagem. Além
disso, demonstra um domínio da cena e do público como poucos atores
que tentam empreender esse gênero de teatro. O plateia fica nas suas
mãos, de forma que assente em participar do espetáculo sempre que por
ela é solicitada.
Michelotto se relaciona com o texto de Shakespeare pelo
viés da paródia. Toda a performatividade da atriz se estabelece pelo
diálogo entre a poesia shakespeareana e o discurso prosaico e crítico
da contemporaneidade, o que nos permite ver com clareza como encenador e
atriz leem o mito a partir do nosso olhar histórico.
O conceito da encenação se centra na juventude que emana da
personagem-título. A juventude que é bela, que está perdida num caos
político, que é frágil, que é ousada, que é fugaz... que é fugaz... que é
fugaz...No entanto, a cena não mergulha na melancolia. Pelo contrário,
celebra a juventude de forma poética e bem humorada. Bastante
humorada.
Aliás, o mérito maior de Michelotto foi não se fechar na
tragicidade do drama shakespeareano ou expressar uma suposta seriedade
que a tradição imputa a Shakespeare. O dramaturgo/encenador soube dosar
aspectos dramáticos com aspectos cômicos, este, sim, um procedimento
muito mais próximo do teatro de Shakespeare. A sensação que ficou para
mim é que o espetáculo
Ophélia me aproximou muito mais do bardo inglês do que outros espetáculos que partiram de seus textos.
Teatro como arte, teatro como celebração, teatro como um
compartilhar de experiência, teatro como poesia, teatro como espaço
para discussões. Eis os qualificativos que identifico no trabalho da
Cia. de teatro e dança pós-contemporânea d’Improvizzo Gang. Parabéns ao
grupo!
07 de dezembro de 2011
Por Bruno Siqueira