sábado, 17 de dezembro de 2011

Crítica sobre Ophélia/ Wellington Júnior

Uma fé inabalável na quintessência do pó

Hoje no dia de Ceça falarei sobre o espetáculo Ophélia da Cia. de Teatro e Dança Pós-contemporânea d´Improviso Gang que se apresentou na excelente programação da V Mostra Capiba de Teatro. E hoje decidi colocar os dez mandamentos para assistirmos e analisarmos o espetáculo dessa encantadora companhia.

1. SER HUMANO. Perguntaram-me uma vez se eu preferia o teatro ou um ser humano. Eu respondi que escolheria o humano, mas em sua melhor tradução – no teatro, nas artes. A obra de arte consegue ver o ser humano em suas diversas traduções. O trabalho de Paulo Michelotto e Pollyanna Monteiro compreende o humano e amplia os sentidos de transformação.
2. SER TEATRO. A dramaturgia fantástica do espetáculo é puramente e simplesmente teatro. Pois concentra seu desejo de ação no maior fenômeno – o encontro.
3. SER VIVO. A construção da atuação de Pollyanna é através da presentificação do jogo. Um sistema de ator engrenado a partir do grau zero da escrita cênica – apenas e belamente estar ali em jogo.
4. SER POESIA. A escrita espetacular é plena de imagens poéticas, de diálogos com o vazio como um hai-kai. A Cia. elabora uma encenação performativa que nos faz entrar na alma da teatralidade. Cada elemento é muito bem cuidado. A iluminação de Cleison Ramos é de uma sensibilidade perfeita.

5. SER ENCONTROS. O espectador é o elemento central desse trabalho, pois é ele que constrói as relações do hoje na encenação, informando sempre que estamos ali num grande ritual sobre nós mesmos.
6. SER EXPLOSÃO. O espetáculo explode o texto do Shakespeare e mostra o que esse fantástico autor sempre desejou escrever. Comparo essa dramaturgia michelottiana com a dramaturgia de João Denys em Encruzilhada Hamlet e percebo que as duas excelentes construções conseguem ampliar e aprofundar o diálogo entre as ações do texto shakespereano e a cena contemporânea – através de uma proposta performativa. Pois as duas são pura explosão - atentados poéticos.
7. SER PERIFÉRICO. O olhar da montagem é um pensamento sobre os seres periféricos e suas construções estéticas. Assumidamente estamos na vassalagem. E a forma é também periférica – pois não quer produzir uma verdade e sim tensionar desejos.
8. SER AMOR. É um trabalho apaixonante. "O louco, o amoroso e o poeta estão recheados de imaginação" (Shakespeare). A imagem em ação nos faz apaixonados nessa montagem. "Faço discretamente coisas loucas; sou a única testemunha da minha loucura. O que o amor descobre em mim, é a energia. Tudo que faço tem um sentido (posso então viver, sem me queixar), mas esse sentido é uma finalidade inatingível: é somente o sentido da minha força"(Roland Barthes).
9. SER MICHELOTTO. Não posso deixar de assumir aqui a profunda admiração que tenho pelo grande homem de teatro – Paulo Michelotto. Ele é um transformador, um inquieto, um ariano. E esse espetáculo é um casamento perfeito.
10. SER EU/SER PÓ. Esse texto sou eu. Um apaixonado pelo humano e pelo pó. Sou assim sempre querendo ver muitos teatros; e estar sempre feliz e surpreso com cada gesto no teatro. Pois a crítica é o pó. Nós somos o pó. Um beijo. Cada coisa que fazemos é plena de vazio e desejo. E aqui me despeço dizendo:
qui est là.
07 de dezembro de 2011
Por Wellington Júnior

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