sábado, 17 de dezembro de 2011

Crítica sobre Ophélia/ Bruno Siqueira

A poesia e a graça de Ophélia

Fazia muito tempo que não me envolvia tanto com um espetáculo recifense como ocorreu em Ophélia, da Cia. de teatro e dança pós-contemporânea d’Improvizzo Gang, apresentado na V Mostra Capiba de Teatro nesta quarta-feira. Paulo Michelotto, que assina a dramaturgia, o design de cena, corpo, voz, maquiagem e a trilha musical, é, por acaso, meu colega de departamento no curso de Licenciatura em Teatro, da UFPE. Meu colega, meu próximo. Como não tinha antes parado para olhar com mais atenção seu trabalho artístico, Michelotto? Perdoe-me o delay.
Ophélia é um espetáculo que firma suas raízes na nossa contemporaneidade. A começar pela dramaturgia. O tão montado, citado e copiado Hamlet, do canônico William Shakespeare, serviu de inspiração ao dramaturgo, particularmente a personagem Ofélia.
A narrativa, em off, cita um trecho da fala da Rainha, quando relata a morte por afogamento da personagem Ofélia. O espectador adentra ainda mais na atmosfera poética da cena. É no final dessa narrativa que vai surgindo Ofélia, lânguida, vaporosa e belamente interpretada por Pollyanna Monteiro, a qual atravessa o espaço do público cantando uma canção num fio de voz, quase sofejante. O espaço do teatro Capiba se encontra tomado por uma fumaça perfumada. Sem bem o perceber, o espectador já está imerso na própria cena. 
O texto de Michelotto tem três páginas e os 60 minutos do espetáculo são compostos de muita improvisação a partir da matriz. Pollyanna Monteiro irradia beleza e jovialidade na sua personagem. Além disso, demonstra um domínio da cena e do público como poucos atores que tentam empreender esse gênero de teatro. O plateia fica nas suas mãos, de forma que assente em participar do espetáculo sempre que por ela é solicitada.
Michelotto se relaciona com o texto de Shakespeare pelo viés da paródia. Toda a performatividade da atriz se estabelece pelo diálogo entre a poesia shakespeareana e o discurso prosaico e crítico da contemporaneidade, o que nos permite ver com clareza como encenador e atriz leem o mito a partir do nosso olhar histórico.
O conceito da encenação se centra na juventude que emana da personagem-título. A juventude que é bela, que está perdida num caos político, que é frágil, que é ousada, que é fugaz... que é fugaz... que é fugaz...No entanto, a cena não mergulha na melancolia. Pelo contrário, celebra a juventude de forma poética e bem humorada. Bastante humorada.
Aliás, o mérito maior de Michelotto foi não se fechar na tragicidade do drama shakespeareano ou expressar uma suposta seriedade que a tradição imputa a Shakespeare. O dramaturgo/encenador soube dosar aspectos dramáticos com aspectos cômicos, este, sim, um procedimento muito mais próximo do teatro de Shakespeare. A sensação que ficou para mim é que o espetáculo Ophélia me aproximou muito mais do bardo inglês do que outros espetáculos que partiram de seus textos.
Teatro como arte, teatro como celebração, teatro como um compartilhar de experiência, teatro como poesia, teatro como espaço para discussões. Eis os qualificativos que identifico no trabalho da Cia. de teatro e dança pós-contemporânea d’Improvizzo Gang. Parabéns ao grupo!
07 de dezembro de 2011
Por Bruno Siqueira

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